Santa Catarina

Extrema-direita intensifica na Alesc ofensiva contra cotas raciais e direitos LGBTQIA+

Em jogo estão direitos civis, liberdade acadêmica, dignidade de minorias e definições sobre como conviver numa sociedade plural

ícone relógio16/10/2025 às 12:00:00- atualizado em  
Extrema-direita intensifica na Alesc ofensiva contra cotas raciais e direitos LGBTQIA+

Extrema-direita intensifica na Alesc ofensiva contra cotas raciais e direitos LGBTQIA+

A pauta moralista e contra os direitos humanos que predomina na Asembleia Legislativa de Santa Cataria (Alesc) e que vem se destacando no cenário legislativo nacional pelo elevado número de proposições alinhadas com agendas conservadoras associadas à extrema-direita teve mais um capítulo esta semana.

O reitor da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), José Fernando Fragalli, foi convocado no último dia 14/10 para dar explicações aos deputados sobre ações afirmativas, como a reserva de vagas adotadas ou em discussão na instituição.

A deputada Luciane Carminatti (PT) lamentou que, às vésperas do Dia do Professor, e em um momento em que o país deveria discutir o futuro da educação e os avanços da pesquisa na Udesc, o debate é desviado para temas que “não produzem nada”.

Segundo ela, conforme a Constituição Federal, os artigos 205, 206 e 207 garantem a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, além da autonomia didática, científica, administrativa e financeira das universidades. “Portanto, se o reitor quisesse, nem precisaria vir aqui.”

O deputado Fabiano da Luz (PT) acrescentou que o assunto das cotas foi tratado na Alesc como se fosse a terceira guerra mundial. “Ouvi nas últimas semanas, desde o vídeo do governador até deputados preocupados por ter lá uma palavra “trans” e por uma vaga para nordestino no programa de pós-graduação do curso de Música. O mundo veio abaixo.”

Na última semana, uma emenda da deputada Luciane ao Projeto de Lei Complementar (PLC) 21/2025 que previa a reserva de 20% de bolsas de estudo para pessoas pardas, pretas e indígenas no Programa Universidade Gratuita e do Fundo Estadual de Apoio à Manutenção e ao Desenvolvimento da Educação Superior (Fumdesc) foi rejeitada, mesmo sendo as cotas amparadas por leis federais — como o Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010) e a Lei 14.723/2023 — e reconhecidas pelo Supremo Tribunal Federal como instrumentos legítimos e necessários para corrigir desigualdades históricas.

Com isso, o programa estadual segue sem critérios de inclusão racial, mantendo o foco apenas na renda familiar — decisão que, segundo os parlamentares, reforça a falta de compromisso da Alesc com a igualdade de oportunidades no ensino superior.

 

Proposta inaceitável

Tramita na Assembleia Legislativa a PEC 0004/2025, uma proposta nefasta e inaceitável do deputado Jessé Lopes que pretende acabar com as políticas de cotas raciais nas instituições públicas estaduais de ensino superior de Santa Catarina. A proposta contrapõe-se à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que a considerou constitucional em 2012, e a todas as ações que visam reduzir desigualdades históricas, promover a a inclusão e diversidade no ambiente acadêmico e oferecer reparação social à população negra e indígena.

“Essa ofensiva representa um retrocesso brutal contra décadas de luta do povo negro, das comunidades indígenas, quilombolas e de todos os movimentos que conquistaram o direito à igualdade material e à reparação histórica”, comentou o deputado Fabiano da Luz.

Segundo ele, a educação superior é caminho de ascensão e dignidade e as cotas devem permanecer como política de justiça social e inclusão.

Para fazer frente a este descalabro, o Observatório de Enfrentamento ao Racismo de SC do mandato do deputado Fabiano da Luz promove uma reunião ampliada, no próximo dia 21 de outubro na Alesc, para dizer não a esta PEC e sim à igualdade racial e à educação pública para todos.

 

Alesc anti-LGBTQIA+.

Além da maioria dos deputados serem contrários às cotas, temas como sexualidade, preconceito contra LGBTQIA+, veto parental às atividades escolares de debate de gênero, leis sobre “ideologia de gênero”, liberdade de crença religiosa, entre outros, têm sido objeto frequente de projetos de lei (PLs) e leis estaduais na Alesc. 

O foco em gênero ou sexualidade aparece fortemente nas proposições anti-LGBTQIA+. Desde 2019, deputados estaduais catarinenses apresentaram 17 projetos contra e apenas quatro pró, de acordo com a Observatória, plataforma da Diadorim para monitoramento legislativo.

Em Santa Catarina, 11 dos 40 deputados são do PL, mesmo partido do ex-presidente Jair Bolsonaro. Não à toa, dos 19 projetos anti-LGBTQIA+, 13 são de cinco deputados do PL, com destaque para Jessé Lopes e Ana Campagnolo — com quatro projetos cada um. . 

Na lista estão propostas para proibir a linguagem neutra nos canais de comunicação oficiais do governo, impedir a participação de crianças e adolescentes na Parada do Orgulho e vetar que menores de idade passem por hormonioterapia, intervenções cirúrgicas e outros atendimentos do processo de transição de gênero.

O que está em jogo é mais do que disputas políticas: são direitos civis, liberdade acadêmica, dignidade de minorias e definições sobre como conviver numa sociedade plural.

 

Foto: Daniel Conzi/Agência AL